Nas Trevas: Sonetos Sentimentaes E Humoristicos

Nonfiction, Religion & Spirituality, New Age, History, Fiction & Literature
Cover of the book Nas Trevas: Sonetos Sentimentaes E Humoristicos by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco, Library of Alexandria
View on Amazon View on AbeBooks View on Kobo View on B.Depository View on eBay View on Walmart
Author: Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco ISBN: 9781465567987
Publisher: Library of Alexandria Publication: July 29, 2009
Imprint: Library of Alexandria Language: Portuguese
Author: Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
ISBN: 9781465567987
Publisher: Library of Alexandria
Publication: July 29, 2009
Imprint: Library of Alexandria
Language: Portuguese
Se perguntásseis hoje diante de dez pessoas quem é André Sauvain, nove delas achariam ridícula a vossa ignorância, e a décima não hesitaria em soltar uma gargalhada. A ninguém é permitido desconhecer uma gloria nacional: entretanto ninguém conhecia há sete anos aquele nome, tão celebre agora. Nessa época, ainda André Sauvain não era um pintor ilustre. Ocupava, ao cimo da rua dos Mártires, um rez-de-chaussée, tão próprio pela humidade a criar cogumelos, como pela escuridão a inspirar tragédias. A habitação do jovem pintor limitava-se a uma só casa, que acumulava as funções de sala, quarto de cama, atelier e refeitório. E nem por isso ele passava pior do que se residisse em sumptuoso palácio. André era um rapaz vigoroso, com músculos de{6} aço, esbelto como um vime e magro como um gato em Abril. O seu porte altivo, bigode castanho e retorcido, pêra aguçada, cabelo alourado e abundantíssimo, assemelhavam-no a alguns retratos de Van-Dyck por forma, que não causaria estranheza ver pender-lhe ao lado uma espada. E com efeito a blusa rafada, que trajava, ia tão bem à sua figura nobre e elegante, como um gibão do melhor veludo. Numa bela e clara manhã de Dezembro André Sauvain acabava de retocar um Faust au sabbat: recuando um pouco para melhor avaliar o efeito do seu quadro, e erguendo por acaso os olhos, foi testemunha de um prodígio. Através das vidraças do seu quarto descobria-se parte de uma casa esplendidamente iluminada pelos raios do sol. Aquele prédio era o constante pesadelo do pintor. Segundo os caprichos da atmosfera, ora reflectia execrável claridade no atelier, ora lhe interceptava completamente a luz. André lançava-lhe pela milésima vez a sua maldição, quando de repente viu abrir-se uma janela, e aos ouvidos do mancebo chegaram as últimas notas de uma cançoneta entoada por voz fresca e harmoniosa: não tardou que a essa janela se mostrasse uma cabeça de mulher, inclinando-se para fora. Aquela cabeça arrancou ao pintor um grito de admiração e, bem que nunca a tivesse visto, reconheceu-a imediatamente.{7} Há no Louvre uma miniatura de Fragonard, do tamanho de uma peça de 40 francos, que é a imagem de uma menina de quinze anos, rosada, loura, com a risonha expansão da inocência a iluminar-lhe o rosto. A boca é uma cereja: deseja-se colhe-la com os lábios. A brisa de maio brinca travessa com os bastos anéis dos seus cabelos doirados. Nos seus olhos negros, de extraordinária viveza, crepita a jovialidade. É a primavera, é a alegria, é a mocidade em flor. Pois, embora o não creiam, esse rosto encantador, emoldurado pela janela que se abrira fronteira ao atelier de Sauvain, era o original daquela miniatura, feita havia mais de cem anos
View on Amazon View on AbeBooks View on Kobo View on B.Depository View on eBay View on Walmart
Se perguntásseis hoje diante de dez pessoas quem é André Sauvain, nove delas achariam ridícula a vossa ignorância, e a décima não hesitaria em soltar uma gargalhada. A ninguém é permitido desconhecer uma gloria nacional: entretanto ninguém conhecia há sete anos aquele nome, tão celebre agora. Nessa época, ainda André Sauvain não era um pintor ilustre. Ocupava, ao cimo da rua dos Mártires, um rez-de-chaussée, tão próprio pela humidade a criar cogumelos, como pela escuridão a inspirar tragédias. A habitação do jovem pintor limitava-se a uma só casa, que acumulava as funções de sala, quarto de cama, atelier e refeitório. E nem por isso ele passava pior do que se residisse em sumptuoso palácio. André era um rapaz vigoroso, com músculos de{6} aço, esbelto como um vime e magro como um gato em Abril. O seu porte altivo, bigode castanho e retorcido, pêra aguçada, cabelo alourado e abundantíssimo, assemelhavam-no a alguns retratos de Van-Dyck por forma, que não causaria estranheza ver pender-lhe ao lado uma espada. E com efeito a blusa rafada, que trajava, ia tão bem à sua figura nobre e elegante, como um gibão do melhor veludo. Numa bela e clara manhã de Dezembro André Sauvain acabava de retocar um Faust au sabbat: recuando um pouco para melhor avaliar o efeito do seu quadro, e erguendo por acaso os olhos, foi testemunha de um prodígio. Através das vidraças do seu quarto descobria-se parte de uma casa esplendidamente iluminada pelos raios do sol. Aquele prédio era o constante pesadelo do pintor. Segundo os caprichos da atmosfera, ora reflectia execrável claridade no atelier, ora lhe interceptava completamente a luz. André lançava-lhe pela milésima vez a sua maldição, quando de repente viu abrir-se uma janela, e aos ouvidos do mancebo chegaram as últimas notas de uma cançoneta entoada por voz fresca e harmoniosa: não tardou que a essa janela se mostrasse uma cabeça de mulher, inclinando-se para fora. Aquela cabeça arrancou ao pintor um grito de admiração e, bem que nunca a tivesse visto, reconheceu-a imediatamente.{7} Há no Louvre uma miniatura de Fragonard, do tamanho de uma peça de 40 francos, que é a imagem de uma menina de quinze anos, rosada, loura, com a risonha expansão da inocência a iluminar-lhe o rosto. A boca é uma cereja: deseja-se colhe-la com os lábios. A brisa de maio brinca travessa com os bastos anéis dos seus cabelos doirados. Nos seus olhos negros, de extraordinária viveza, crepita a jovialidade. É a primavera, é a alegria, é a mocidade em flor. Pois, embora o não creiam, esse rosto encantador, emoldurado pela janela que se abrira fronteira ao atelier de Sauvain, era o original daquela miniatura, feita havia mais de cem anos

More books from Library of Alexandria

Cover of the book Lost and Hostile Gospels by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book Archaic England: An Essay in Deciphering Prehistory from Megalithic Monuments, Earthworks, Customs, Coins, Place-names and Faerie Superstitions by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book The Cruise of the Cachalot Round the World After Sperm Whales by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book Le barbier de Séville; ou, la précaution inutile by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book Fresh Light from the Ancient Monuments by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book The Fallacy of Danger From Great Wealth by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book The Panchatantra (Purnabhadra's Recension of 1199 CE) by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book In the Wilds of Africa by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book De Verbo by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book Eoneguski, Or, the Cherokee Chief: A Tale of Past Wars by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book The Message of the Stars by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book The Bible in Spain; Or, the Journeys, Adventures, and Imprisonments of an Englishman, in an Attempt to Circulate the Scriptures in the Peninsula by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book Shakespeare Jest-Books Reprints of the Early and Very Rare Jest-Books Supposed to Have Been Used by Shakespeare by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book Non Dir Quattro Se Non L'Hai Nel Sacco: Commedia in Un Atto by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
Cover of the book "The Gallant, Good Riou" and Jack Renton by Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
We use our own "cookies" and third party cookies to improve services and to see statistical information. By using this website, you agree to our Privacy Policy